Testemunho Carlos

Nasci numa família católica e, embora não tenha sido sempre fiel à doutrina da Igreja, nunca deixei de acreditar em Deus. Tive uma infância e uma adolescência felizes, em que apenas senti falta de uma presença mais próxima do meu Pai. Via-o raramente durante a semana, porque ele chegava tarde a casa, e ao fim-de-semana ele mantinha uma certa distância e não era particularmente afetuoso. Não tenho memória de me ter pegado ao colo ou levado pela mão. Mas lembro-me ainda hoje da tensão que sentia quando tinha de me portar bem à mesa e brincar sem fazer barulho, para não o incomodar. Nunca abusou de mim, mas sempre tive muito medo dele.

Sem surpresa, transferi para Deus esta imagem de Pai severo e autoritário, de quem não era íntimo e perante quem tinha de ser irrepreensível. Durante anos fui um “católico de domingo”, um menino bem-comportado que visitava o seu Pai celeste ao fim-de-semana, temendo o Seu olhar exigente e cumprindo as Suas ordens para evitar um castigo. Deus era, à imagem do meu Pai terreno, um Pai distante, mas que sabia tudo e a quem eu devia respeitar e agradar.
Hoje não tenho dúvida de que o meu Pai sempre me amou, mesmo que não o demonstrasse do modo de que eu necessitava, e compreendo que lhe possa ser difícil, ainda hoje, exprimi-lo de forma mais física. Talvez tudo tivesse sido mais fácil se eu não tivesse tido uma relação fusional com a minha Mãe, que foi demasiado protetora, ou se tivesse nascido menina. Na verdade, durante a gravidez, a minha Mãe convenceu-se a tal ponto de que eu seria uma menina que o meu Pai já tinha escolhido um nome para mim.

Poderá estar aqui a origem de um sentimento que carreguei toda a vida – o medo de não corresponder às expetativas e, consequentemente, ser rejeitado. Hoje penso que nasci com medo de que os outros descobrissem quem eu era e vissem que não era quem esperavam que eu fosse. Este medo poderia eventualmente ter sido pacificado se o meu Pai tivesse estado mais presente. Se ele me tivesse afirmado enquanto homem, através de uma presença afetuosa e um exemplo encorajador, talvez não tivesse sentido tantas dúvidas sobre o que era esperado de mim. Assim, demorei a encontrar o meu lugar no mundo, constantemente dividido entre a necessidade de afirmar a minha presença e o desejo de não desiludir; entre a necessidade de ser reconhecido e o desejo de passar despercebido. Como não senti do meu Pai o amor que buscava, escolhi inconscientemente um mecanismo “esquizofrénico” de sobrevivência: a procura desordenada da afeição dos outros e simultaneamente a autossuficiência de quem acredita não necessitar de quem quer que seja.

Isto teve consequências negativas nos meus relacionamentos. Na escola, e depois no trabalho, oscilei sempre entre a vontade de agradar aos colegas e a determinação em superar esses colegas, com quem me sentia em competição. Sempre procurei a aprovação dos meus professores, e posteriormente dos meus chefes, assim como a afeição de homens mais velhos. A minha vida sexual foi frequentemente uma mistura, aparentemente contraditória, entre promiscuidade e medo da intimidade; entre a necessidade de me sentir amado, em particular por outros homens, e a resistência profunda a comprometer-me com quem quer que fosse, em especial com mulheres.

Mais tarde compreendi que esses problemas decorriam da dificuldade relacional com o meu Pai, cuja imagem rejeitei. Dei-me conta, só há alguns anos, de que nunca quis tornar-me homem e me comportava ainda como adolescente, encerrado sobre mim próprio e recusando certas responsabilidades. Já tinha 35 anos quando senti o que me pareceu ser um apelo de Deus para que enterrasse a adolescência. Essas palavras levaram-me a quebrar “votos secretos” que pudesse ter feito inconscientemente para não crescer e tornar-me homem, para não casar e ter filhos, para não ser como o meu Pai.
Frequentei algum tempo depois o programa Living Waters, que me ajudou a entender a minha atração indesejada pelo mesmo sexo e que outros problemas de relacionamento, como a dificuldade em comprometer-me, eram um sintoma, nomeadamente, de profundas carências afetivas relativamente ao meu Pai e uma resposta desordenada a uma questão identitária complexa, ligada ao meu distanciamento em relação ao próprio sexo.

Desde então tenho aprofundado estes temas, procurando consolidar a “vida de semana” com a “fé de domingo”. O meu maior desafio tem sido o de aceitar e integrar o meu Pai celeste e o meu Pai terreno na minha vida. Continuo a debater-me com questões antigas e, embora queira tornar-me no homem que Deus me chama a ser, ainda estou a tentar compreender o que isso significa.

O ponto de viragem aconteceu quando entendi que Deus me amava como um filho desejado. Aprendi desde então que a Sua força se revela na minha fraqueza, que a Sua verdade ilumina a escuridão da minha vida, que o Seu amor é infinito e incondicional. A Sua paciência com os meus falhanços e recuos ajudou-me a ser mais paciente comigo e com os outros. E o facto de Ele me amar independentemente do meu pecado libertou-me da minha autossuficiência e de outros pecados, como o orgulho, nomeadamente o orgulho de querer ser merecedor desse amor gratuito.

Não sei se alguma vez deixarei de me sentir atraído por outros homens ou se conseguirei relacionar-me com uma mulher ao ponto de desejar constituir com ela uma família, mas deixei de me preocupar com isso e decidi viver não a partir do que preciso de obter, mas daquilo que posso dar; não a partir do que me foi negado, mas daquilo que me foi oferecido; não a partir das minhas feridas, mas a partir dos meus dons. Sendo certo que não posso controlar as minhas tendências, decidi que elas não determinariam mais as minhas ações. E, ao renunciar aos becos do passado, deixo que se abram para mim avenidas de futuro, que não consigo sequer imaginar.
Li há tempos que se passa à idade adulta quando se volta a admirar o seu Pai. Não sei se será assim, mas o que é certo é que tenho hoje com o meu Pai uma relação que nunca julguei vir a ter. Sinto orgulho na sua bondade e no seu sentido de justiça, na sua capacidade de trabalho e abnegação, na sua coragem física e nos seus dons artísticos. Estou em paz, consciente das minhas forças e fraquezas. Sinto que fui resgatado às trevas e levantado do chão por Deus, a Quem quero seguir como um filho e já não temendo, se Ele assim o quiser, ser também um Pai.
Glória a Deus, que é Pai; a Jesus Cristo, que é Filho; e ao Espírito Santo, que é o Amor entre o Pai e o Filho.

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