Como lido com as dependências sexuais?
Segundo o Catecismo da Igreja Católica (CIC), “a pornografia consiste em retirar os atos sexuais, reais ou simulados, da intimidade dos parceiros, para os exibir a terceiras pessoas, de modo deliberado. Ofende a castidade, porque desnatura o ato conjugal, doação íntima dos esposos um ao outro. É um grave atentado contra a dignidade das pessoas intervenientes (atores, comerciantes, público), uma vez que cada um se torna para o outro objeto dum prazer vulgar e dum lucro ilícito. E faz mergulhar uns e outros na ilusão dum mundo fictício” (CIC, 2354).
Ainda que não seja algo novo, é um sinal particularmente obscuro do mundo moderno que prejudica homens e mulheres, crianças, casamentos e famílias. Podemos mesmo considerar que a pornografia é uma “estrutura de pecado” como definido na encíclica Gaudium et Spes. Está de tal modo omnipresente em todos os setores da nossa sociedade, em especial no mundo ocidental, que é difícil evitá-la; e removê-la é um desafio a vários níveis. Em jogo estão poderes económicos muito fortes, o que torna muito difícil, senão mesmo impossível, acabar com a indústria que gera a pornografia e que deriva dela.
O significado esponsal do corpo
O corpo revela a pessoa. Não é um atributo da pessoa. Faz parte integrante da sua essência. O que se faz com o corpo ou ao corpo é a pessoa que faz ou é à pessoa que se faz. Na visão filosófica de João Paulo II – o personalismo – a pessoa só pode ser objeto de amor e nunca de posse ou instrumentalização. O próprio corpo nos diz para que fim fomos criados pois traz inscrito em si uma linguagem: a linguagem esponsal, ou seja, a linguagem do dom e da comunhão. O corpo diz que somos feitos para o outro, para uma relação e que estamos em relação com os outros desde que nascemos. Somos filhos desde o nascimento. Através do corpo estamos em relação com toda a humanidade. Através do corpo percebemos que temos em nós a vocação para a comunhão fecunda com os outros, em particular no matrimónio, na união entre um homem e uma mulher, mas também no celibato – consagrado ou não – em que entregamos a nossa vida, por amor, a uma comunidade. Esta entrega total de si feita por amor é a única forma como o homem se pode realizar plenamente.
A pornografia é um erro
Para além de questões de moralidade, nomeadamente relacionadas com uma religião, na pornografia está implícita a negação do valor e significado da essência da pessoa, a negação do valor da sexualidade humana e do casamento. A pornografia pode, além disso, conduzir a outros males como, por exemplo, a adição sexual e a pedofilia, sendo um dos principais motivadores de crimes sexuais e alimentando fortemente a indústria do tráfego humano, em particular a exploração de crianças. A utilização de pornografia gera nas pessoas uma incapacidade de ver o outro como um todo. A pessoa fica reduzia ao seu desempenho sexual e a partes específicas do seu corpo, o que torna depois muito mais difícil ter uma relação “normal com pessoas normais”.
A pessoa que consome pornografia muda gradualmente as suas atitudes em relação à sexualidade. Os homens tornam-se mais frios em relação às mulheres, deixam de as respeitar e tornam-se mais dispostos a usar a força contra elas. Começam a considerar a utilização de práticas sexuais desviantes como “normais”. Desenvolvem o “mito da violação”, que afirma que “é isso que as mulheres realmente querem”. O desejo de uma relação permanente, de família e filhos, desvanece-se.
Resumindo, segundo Gabriele Kuby, a pornografia:
• Degrada, humilha e escraviza os seus intervenientes.
• Leva ao crescimento do tráfico humano para prostituição e pornografia.
• Gera procura pela prostituição.
• Torna os consumidores viciados.
• Destrói as famílias.
• Afasta os pais dos filhos e os filhos dos pais.
• Enfraquece a autoridade dos pais.
• Mostra às crianças e aos jovens uma imagem da sexualidade hostil à mulher, ao casamento e à família.
• Reduz a taxa de natalidade, já que o desejo sexual descontrolado sufoca o desejo de ter filhos.
• Abre o caminho para os crimes sexuais.
E alimenta a indústria mundial do sexo, que fatura cerca de 97 mil milhões de dólares USD.
Castidade vs. luxúria
A castidade significa a “integração conseguida da sexualidade na pessoa” (CIC 2337) e, portanto, a conquista do domínio de si e a verdadeira liberdade para amar. É uma virtude que permite fazer as escolhas corretas, pelo bom e verdadeiro, e pelo amor no campo da sexualidade. A castidade integra os nossos desejos internos de prazer sexual na nossa procura pela felicidade. A palavra castidade pode estar fora de moda mas, se pensarmos em autodomínio, estamos a dizer o mesmo e já não parece tão impopular.
A castidade afirma a pessoa como um todo – corpo e alma – sujeito e objeto do amor, sujeito que se dá para benefício do outro e objeto recetor desse dom. Esta é a dinâmica que gera a comunhão de pessoas, fundamento do casamento. Todos somos chamados a viver a castidade, seja qual for o nosso estado de vida. No casamento a castidade assume a caraterística de um amor livre, total, fiel e fecundo.
Orientados e capacitados pelo amor recíproco até ao risco da dedicação e compromisso para toda a vida, os dois entregam-se a um acontecimento que transcende as suas capacidades conscientes, indo cada um deles além dos limites do ego para se abrirem mutuamente. Têm esta experiência simultaneamente, tanto como revelação da sua própria singularidade e da outra pessoa, como revelação da natureza do sexo oposto. Desta forma uma nova pessoa pode vir ao mundo – um filho que é recebido com espanto pelo homem e pela mulher como encarnação do seu amor. Para quem é religioso, ser tomado dessa forma por algo maior, algo que transcende o eu, pode ser uma experiência profunda de Deus. A fidelidade para com a pessoa com a qual se experimenta a alegria da mútua entrega e a intimidade pessoal recíproca, é um pré-requisito e exigência incondicional da alma.
O contrário da castidade é a luxuria, ou seja, o desejo desordenado de prazer sexual afastado do verdadeiro significado da sexualidade humana. A pornografia significa a completa separação entre a função sexual e a pessoa, tornando, assim, a sexualidade anónima. Quem a utiliza, reduz-se, bem como ao outro, a objeto de luxúria, e penetra cada vez mais profundamente na degradação, humilhação, violência, perversão e obsessão. Com o tempo, todos os limites podem desaparecer – até as crianças e os bebés podem ser vitimizados numa cobiça sexual desenfreada.
Ver pornografia deliberadamente é uma ofensa grave contra a castidade. Nela o corpo humano é coisificado e reduzido a fonte de estímulo sexual. Perde-se assim a dignidade própria da pessoa que se vê reduzida a um objeto. Nesta medida, o consumo de pornografia é tão grave como a prática de um ato sexual desordenado.
Sendo realistas, percebemos que a pornografia está de tal modo generalizada e é tão facilmente acessível que todas as pessoas ficam vulneráveis. Muitas lutam. Mas muitas veem pornografia sem sequer se darem conta, em séries ou em filmes onde abundam as cenas de sexo explícito e o uso da violência associada à sexualidade. É muito característico da pornografia a violência e o abuso das pessoas e a sua degradação. A maioria das cenas pornográficas inclui agressões físicas ou verbais veiculando a mensagem de que o sexo é abusivo, violento e degradante. Em geral a pornografia envolve pessoas reais, mas atualmente começa a ser comum as pessoas serem imagens geradas por computador. Isto não diminui a gravidade do ataque à dignidade da pessoa. Quando muito, acrescenta como fator a impossibilidade de as pessoas reais competirem com os modelos criados por computador em termos de padrões estéticos.
A pornografia e a masturbação
A pornografia está intimamente ligada a outros comportamentos desordenados, em especial a masturbação. O CIC, parágrafo 2352, define a masturbação como a excitação voluntária dos órgãos genitais, para daí retirar um prazer sexual, chegando mesmo ao orgasmo. Tanto o Magistério da Igreja como o sentido moral dos fiéis têm afirmado sem hesitação que a masturbação é um acto intrínseca e gravemente desordenado. A questão é que se trata sempre de uma utilização do corpo na procura do prazer sexual fora da relação de amor contextualizada pelo casamento. Apesar de a Igreja estar muito consciente de que a masturbação é causada por imaturidade afetiva, hábitos contraídos, angústia e outros fatores psíquicos e sociais que podem até reduzir a responsabilidade moral da pessoa, a sua preocupação é a educação da pessoa para a castidade e para o verdadeiro amor digno da condição humana. De qualquer modo, independentemente da questão religiosa, a verdade é que a masturbação tem um grande poder viciante, deturpa o sentido da sexualidade e desenvolve uma sexualidade individualista e egoísta o que vai tornar muito difícil o dom de si necessário no casamento.
Na masturbação o centro do ato sexual deixa de ser o casal, deixa de ser o “nós” para dar lugar ao “eu”. A pessoa usa a masturbação para melhorar o humor, aliviar tensões ou até esquecer a solidão, transformando-o num escape, que pacifica momentaneamente, mas nunca satisfaz completamente.
A masturbação não pode ser vista como um mal menor. Pensar que é preferível recorrer à masturbação do que enveredar por uma actividade sexual ilegítima é esquecer o objetivo da sexualidade. Se o ato sexual ilícito é uma instrumentalização da pessoa, a masturbação também o é. O facto de não se usar a outra pessoa, mas a própria pessoa, não diminui a gravidade. Aliás, muitas vezes a masturbação faz parte das proprias relações sexuais, seja porque se trata de relações homossexuais, seja porque as pessoas viciadas na masturbação já não conseguem ter prazer num ato sexual normal, deturpando também o significado da sexualidade humana.
Efeitos sobre a pessoa
Estudos recentes realizados por cientistas, psicólogos clínicos e neurologistas comprovam os efeitos sociais e psicológicos negativos da pornografia no indivíduo e são cada vez mais evidentes os mecanismos biológicos que esta produz nos seus consumidores e que promovem a adição.
No entanto, é importante também falar aqui dos efeitos no comportamento das pessoas que desde muito novas, crianças, se habituam a ter uma visão erotizada de si proprias. As mulheres em particular podem começar a vestir-se e a agir como se fosse necessário serem sexualmente desejáveis para que os homens gostem delas, perseguindo uma imagem idealizada da beleza feminina. Isto pode até levá-las a mal tratar os seus corpos, a sentir-se pressionadas para participar em atos sexuais degradantes e a ficar sujeitas a atos de violência por parte dos homens. Como já vimos a pornografia está muito relacionada com a violência na sexualidade.
Segundo Gabriele Kuby, os efeitos nas crianças e nos jovens incluem:
• Visão da sexualidade como satisfação de instintos.
• Desenvolvimento de uma visão degradada da mulher.
• Quanto mais cedo ocorrer a exposição à pornografia, maior é a probabilidade de adição.
• Quanto mais precoce é o início da vida sexual ativa, maior é o risco de contrair doenças sexualmente transmissíveis.
• A pornografia torna-se parte da cultura da juventude. Pressão nos rapazes para o desempenho sexual; cirurgias plásticas para as raparigas.
• Promiscuidade, ligações meramente sexuais e práticas sexuais desviantes são tomadas como normais e dignas de admiração.
• Insegurança e ausência de satisfação com a sua própria sexualidade.
• Pressão dos pares para se envolver em relações sexuais até ao ponto de cyberbullying e ataques sexuais.
• Diminuição do limiar da violência sexual.
• Casamento e família perdem o seu papel orientador no planeamento do futuro.
O Estudo do Mar Báltico, um estudo largamente representativo da juventude, conduzido em 2007, revela duas coisas:
• Os consumidores de pornografia pesada são muito mais rapazes do que raparigas (10,5% de rapazes veem pornografia diariamente, 29% mais do que uma vez por semana, mas apenas 1,7% de raparigas).
• Existe uma diferença significativa entre consumidores diários e ocasionais, entre rapazes e raparigas.
Efeitos sobre homens e mulheres
Os homens são particularmente sensíveis à pornografia devido à própria forma de funcionamento do cérebro masculino que, como se sabe, funciona muito mais por imagens.
As principais razões que podem levar os homens a consumir pornografia são diversão, busca de consolo de feridas emocionais e ilusão de poder. As consequências incluem efeitos fisiológicos, financeiros, emocionais mentais e espirituais; profundo sentimento de vergonha; identidade narcisista; sentido exagerado de machismo; confusão de identidade sexual e da orientação sexual; perda de esperança na cura e falta de confiança em Deus.
Cada vez mais as mulheres consomem pornografia por razões semelhantes às dos homens e apresentam efeitos semelhantes. As mulheres, contudo, são mais dadas a situações que envolvem a promessa de uma relação, como literatura erótica, interações nas redes sociais ou videochamadas. As mulheres sofrem as consequências da ideia de que a pornografia é algo de libertador para elas e, por outro lado, da ideia de que é uma coisa só de homens. Isto tem como consequência um profundo sentimento de vergonha e isolamento.
Embora os homens sejam os maiores consumidores de pornografia, o número de mulheres que a consome tem vindo a crescer nos últimos anos. Sondagens recentes como a Pornography Addiction Survey da ProvenMen.org (2014) constatou que 64% dos homens veem pornografia mensalmente (55% dos homens casados) e 29% dos homens jovens (18-30 anos) veem-na diariamente. Outra sondagem, realizada pelo Pew Research Center, destaca que de 2017 a 2013 o número de mulheres que admitiram assistir a “vídeos para adultos” cresceu de 1% para 8%. A Relationships in America Survey constatou ainda que o uso de pornografia é mais comum entre as mulheres mais jovens: 19% das mulheres com menos de 30 anos declaram ter acedido a conteúdos pornográficos na semana anterior, em comparação com 3% das mulheres entre os 50 e os 59 anos, o que demonstra um claro aumento do consumo da pornografia nas gerações femininas mais jovens.
Efeitos no casamento e na família
No âmbito do casamento, o recurso à pornografia é ilícito e prejudicial. Nunca é justificável na medida em que viola a castidade conjugal e a dignidade dos esposos. Danifica seriamente a confiança e a intimidade dos cônjuges, tanto pelo consumo em si, como pelas mentiras daquele que oculta o seu comportamento ao outro. Foi identificado como um fator importante em mais de metade dos divórcios. Descobrir que o cônjuge está a consumir pornografia leva a um sentimento de estar a ser traído e a um trauma semelhante à perturbação de stress pós-traumático. Além disso, contrariamente ao pensamento comum, os consumidores de pornografia são mais propensos a casos extramatromoniais. A pornografia pode diminuir o desejo sexual e, no caso dos homens, levar à impotência. Ser solicitado pelo cônjuge para praticar pornografia pode ser considerado como ultrajante e humilhante.
No caso de homens e mulheres solteiros, a pornografia torna muito mais difícil o discernimento da vocação, seja para o casamento seja para a vida consagrada. Tal como a masturbação, promove uma vivência da sexualidade virada para o seu próprio prazer egoísta e torna difícil o dom de si que uma relação exige.
Também se sabe que alimenta a cultura do sexo casual e traz como consequência um sentimento de se ser merecedor de uma relação saudável e verdadeira.
Além disso, durante a relação sexual, liberta-se a hormona da vinculação, a oxitocina. Este mecanismo bioquímico, que cimenta as relações vitais primordiais entre homem e mulher, entre mãe e filho, no mais profundo da psique, perverte-se: o consumidor de pornografia que se masturba, vincula-se com parceiros sexuais anónimos na Internet e diminui o seu interesse pela mulher e pelos filhos.
Para quem tem filhos, a quantidade de situações em que estes podem ser expostos à pornografia é um desafio e uma fonte de angústia. Por outro lado, quando são os próprios pais a consumir pornografia, a família deixa de ser o lugar seguro, gera-se graves encargos financeiros devido ao comportamento obsessivo do consumidor, a paternidade pode ficar gravemente afetada pelo exemplo que é transmitido aos filhos e o risco de divórcio aumenta muito, sendo as crianças as maiores vítimas do mesmo.
Gabriele Kuby esquematiza desta forma os efeitos no casamento e na família:
• Distância emocional do cônjuge.
• Incapacidade de amar. Perda das expressões afetivas emocionais normais, tais como benevolência, amizade, cuidado e ternura.
• Diminuição da intimidade no casamento e menos satisfação sexual, até ao ponto da impotência.
• Confronto do cônjuge com solicitações sexuais perversas.
• O cônjuge entende o uso da pornografia como infidelidade emocional.
• Infidelidade através de cibersexo, chat, telefone, webcam e prostitutas.
• Perda de interesse no cônjuge e nos filhos.
• Aventuras amorosas e promiscuidade.
• Risco de os filhos encontrarem material pornográfico ou surpreenderem um dos pais no seu uso.
• Separação e divórcio.
Como já vimos, o consumo de pornografia afeta o consumidor pois facilmente diminui a sua abertura à intimidade e a relações humanas saudáveis. Ela representa uma visão distorcida da sexualidade humana, contrária ao amor autêntico e afeta o sentido de autoestima da pessoa. Quando frequente, o consumo pode tornar-se um vício. Aumenta o isolamento entre as pessoas por causa dos sentimentos de vergonha e remorsos que gera. Quebra a confiança entre os membros da família e danifica a capacidade de os pais e outros adultos serem modelos de virtude para os mais novos.
Na pornografia, consideramos que há uma multiplicidade de vítimas. Cada pessoa a ela exposta é uma vítima. Cada pessoa nela exposta é filha ou filho de alguém. A sua dignidade é maltratada quando são usadas para o prazer e proveito dos outros. A pornografia tem ligações com o tráfico sexual e a exploração comercial em todo o mundo. Muitas vítimas de tráfico sexual são forçadas a prostituir-se, sendo a pornografia uma espécie de treino para o efeito ou até o objetivo principal. Escusado será reforçar os malefícios da utilização de crianças para a pornografia, uma vez que se trata sempre de um crime de exploração sexual.
Também existem efeitos colaterais em toda a cultura. Não apenas na forma de olhar o outro mas na forma banalizada como isso hoje se promove. As imagens eróticas, hipersexualizadas e pornográficas estão omnipresentes na sociedade ocidental. É comum vê-las nas revistas ou nos conteúdos das redes sociais, na publicidade, no cinema e na televisão. O entretenimento tornou-se hipersexualizado. Até os livros eróticos se tornaram banais, bem como os jogos de vídeo, as letras das músicas, os vídeos musicais, as roupas e até mesmo as máscaras, incluindo todo o conteúdo dirigido a crianças e adolescentes. Manter a pureza hoje é um desafio sério, assim como aprender os limites adequados para viver a castidade e manter relações saudáveis.
Como escreve Gabriele Kuby no seu livro A Revolução Sexual Global, as fantasias, as imagens no subconsciente, acabam por tornar a pornografia um vício e um pecado social patrocinado por uma poderosa indústria.
Os jovens nascidos na era digital cresceram imersos nos meios de comunicação e na Internet. Estima-se que a idade média da primeira exposição à pornografia seja pelos 11 anos. No entanto há muitas crianças expostas mais cedo. Quase todos os homens jovens e mais de metade das mulheres jovens veem pornografia antes dos 18 anos, muitas vezes acidentalemente, quando encontram pornografia de um familiar que estava mal escondida, por um pop-up numa página da Internet ou por um erro ao teclar um endereço. Uma criança pode procurar pornografia por curiosidade mas, na maior parte dos casos, é iniciada por amigos. É um comportamento de grupo que nas escolas, e até mesmo às vezes na família, é banalizado, quando não mesmo promovido.
Cada vez mais os jovens produzem a sua própria pornografia através de fotografias e vídeos feitos e partilhados entre amigos. Infelizmente o recurso a imagens de cariz sexual amplamente partilhadas na internet tem levado até ao suicídio.
Estar exposto à pornografia é traumático para as crianças. Rouba-lhes a inocência e faz com que fiquem com uma imagem distorcida da sexualidade, podendo causar danos que permanecem ao longo da vida e afetar a sua vida sexual em adultos. A criança exposta à pornografia pode sentir prazer, dor, nojo, culpa e curiosidade. Para procurar perceber esse conjunto de sentimentos poderá insistir na procura de pornografia e acaba por se deixar educar sexualmente por aquilo que vê.
Investigadores afirmam que estas crianças, mais frequentemente, iniciam a vida sexual antes do casamento, tendem a ver as mulheres como objetos sexuais e a sobrevalorizar a frequência de certas práticas sexuais degradantes. Também tendem a iniciar a vida sexual antes dos companheiros e têm mais tendência a participar em comportamentos sexuais de risco, o que aumenta a possibilidade de engravidarem durante a adolescência ou engravidarem alguém), ou de contrair uma DST (Doença Sexualmente Transmissivel). Têm também um risco maior de adquirir mais tarde uma dependência sexual. No caso das raparigas, como já dissemos, pode contribuir para a baixa autoestima, perturbações do comportamento alimentar e depressão. Os dados indicam ainda que as crianças repetidamente expostas à pornografia são mais propensas a assediar sexualmente, imitando os comportamentos que viram.
O vício da pornografia está incluído entre as adições independentes de substâncias, tais como o vício do jogo, do trabalho e a anorexia. Estranhamente, no entanto, estas adições induzem processos bioquímicos no cérebro semelhantes aos vícios dependentes de substâncias. O sistema de auto-recompensa do cérebro começa a quebrar-se, fica atrofiado devido ao uso excessivo e por isso a dose tem de ser cada vez maior. Os lobos frontais – responsáveis pelo discernimento – começam a encolher. A investigação atual do cérebro mostra que o cérebro sofre de facto mudanças devido ao vicio da pornografia.
Assim, para obter o mesmo efeito vai-se tornando necessário utilizar estímulos cada vez mais fortes e mais frequentes, o que explica a passagem da pornografia gratuita para a paga, da pornografia “suave” para a violenta, da pornografia heterossexual para a homosexual e para a pedofilia.
Muitos jovens desenvolvem comportamentos homossexuais na sequência da dependência da pornografia, apresentando o que se chama uma pseudo-homossexualidade. Uma pessoa viciada em pornografia dispõe-se a correr riscos cada vez maiores, como aceder a ela no local de trabalho, e pode gastar grandes quantias de dinheiro em consultar conteúdos online exclusivos, frequentar clubes de strip-tease ou recorrer à prostituição.
O psicólogo e psicoterapeuta Victor Cline afirma ter tratado aproximadamente 300 viciados em sexo, delinquentes e vítimas de abuso sexual. Conclui da sua experiência terapêutica que o consumo de pornografia tem uma relação causal com a obsessão e o crime, descrevendo o processo como tendo quatro fases:
i. Adição
A primeira mudança foi um efeito de adição. Os consumidores de pornografia ficaram presos. Uma vez envolvidos com materiais pornográficos, recorreram cada vez mais a eles. O material parecia fornecer um poderoso estímulo sexual ou efeito afrodisíaco seguido de uma libertação sexual, a maior parte das vezes através da masturbação. A pornografia fornecia imagens muito excitantes e poderosas que eles frequentemente recordavam para elaborar e recrear as suas fantasias. Uma vez viciados, não conseguiram desligar-se da sua dependência, por si mesmos, apesar dos muitos efeitos negativos, tais como, divórcio, perda da família ou problemas com a lei (como a agressão sexual, assédio ou abuso de colegas no trabalho.)
ii. Escalada
A segunda etapa foi um efeito de escalada. Com a passagem do tempo, os viciados exigiam tipos de material sexual mais duro, mais explícito, mais perverso e “excêntrico” para obter a sua “excitação sexual”. Fazia lembrar o que acontece com indivíduos afetados pela toxicodependência. Com o tempo há quase sempre uma necessidade crescente de maior estimulação para obter o mesmo efeito inicial.
iii. Dessensibilização
A terceira etapa que aconteceu foi a dessensibilização. O material (em livros, revistas ou filmes/vídeos) que, inicialmente, era percebido como chocante, ilegal, repulsivo ou imoral, embora sexualmente excitante, tornou-se aceitável e vulgar. A atividade sexual representada na pornografia (independentemente de quão antissocial ou perversa) tornou-se legitimada. Cada vez mais havia a sensação de que “toda a gente o faz”, o que justificou o prosseguimento da atividade, embora esta fosse possivelmente ilegal e contrária às crenças morais e aos padrões pessoais prévios dos indivíduos.
iv. Prática sexual
A quarta etapa que ocorria era uma crescente tendência a levar à prática os comportamentos vistos na pornografia a que os consumidores estiveram repetidamente expostos, incluindo promiscuidade compulsiva, exibicionismo, sexo em grupo, voyeurismo, sexo com crianças, violações e infligir dor, a si ou ao parceiro, durante o sexo. Este comportamento, frequentemente, convertia-se numa adição sexual na qual se sentiam aprisionados e incapazes de mudar ou reverter o seu comportamento – quaisquer que fossem as consequências negativas nas suas vidas.
Os sinais de adição são:
• Incapacidade de voluntariamente abandonar o consumo;
• Efeito decrescente do mesmo tipo de atividades sexuais e, portanto, necessidade de estímulos mais fortes;
• Preocupação constante com pensamentos, imagens e desejos sexuais;
• Sintomas de abstinência ao abandonar o consumo;
• Cada vez mais tempo perdido. Obrigações sociais, profissionais e familiares e atividades de lazer negligenciadas;
• Continuidade do comportamento apesar do seu efeito destrutivo na pessoa do adito, sua família e trabalho;
Muitas vezes é necessário recorrer a medicação especifica para controlar esta dependência, que funciona exactamente como uma dependência de qualquer droga. E para recuperar a liberdade pessoal é preciso uma esforço muito grande e ajuda adequada. Para quem é crente, é fundamental saber que Deus ama o pecador independentemente da dimensão do pecado, conhece as suas fraquezas e fragilidades e está sempre pronto a ajudar com a sua graça e fortaleza.
Um mundo de aparências que promove uma cultura da futilidade distorcendo a nossa perceção daquilo que realmente importa, aliado a uma personalidade narcisista, são duas razões para o cada vez maior consumo de pornografia dos tempos atuais. Alguns estudos concluíram que as horas gastas a ver pornografia estão relacionadas com um nível elevado de narcisismo, que se manifesta no sentido exagerado que a pessoa tem da sua própria importância, numa profunda necessidade de aceitação/admiração e por outro lado numa ausência de empatia para com os outros. É neste tipo de personalidade, por um lado virada para si mesmo e por outro com um forte desejo de ser reconhecido pelos seus pares (quem não vê aqui um adolescente em crescimento?), que a pornografia pode desenvolver-se como uma adição muito perigosa. Esta adição pode ter o seu início por algumas razões:
Excitação
A razão principal pela qual as pessoas começam a consumir pornografia é o prazer sexual que daí podem obter. E a pornografia promete um infindável mundo de prazer: sexo cada vez mais excitante, variado e em grandes quantidades. No entanto, a pornografia, por mais que prometa, não passa de uma ilusão, pois não nos oferece uma verdadeira relação. Vários estudos apontam para o facto de que o consumo de pornografia conduz a uma vida sexual cada vez mais pobre. Em vez de impulsionar a vida íntima e sexual de um casal, por exemplo, apenas a destrói.
Educação sexual
Para um adolescente ou jovem, curioso e cheio de questões sobre o sexo, a pornografia aparece como uma forma fácil de explorar e encontrar respostas para as suas dúvidas. Mas infelizmente não é o melhor “local” para o fazer. Um estudo recente no Reino Unido em 2500 escolas e universidades apurou que 60% dos estudantes consumiam pornografia para “aprender” sobre sexo. No entanto, esta aprendizagem é problemática pelas mais variadas razões. O que estes adolescentes e jovens vão ver não é realista e não expressa a verdadeira intimidade de um casal, comprometendo o seu futuro e a forma como se relacionarão com os outros.
Solidão
A solidão já não é só um problema dos mais velhos. Atualmente os jovens e adolescentes sentem-se frequentemente sós e muitas vezes entregues a si próprios. Para escapar a estes sentimentos podem por vezes refugiar-se na pornografia, por lhes parecer uma forma rápida de resolver esta solidão temporária. Mas não passa, novamente, de uma ilusão. A pornografia apenas vai alimentar mais esses sentimentos. Quanto mais fazemos uso da pornografia mais sozinhos nos sentimos. Só é possível vencer esta solidão na relação com os demais, criando laços de pertença a alguém ou a um grupo. E isto a pornografia não pode dar.
Tédio
É cada vez mais difícil ficarmos sós com os nossos pensamentos por poucos minutos que sejam. Logo procuramos algo para fazer ou um ecrã para o qual olhar. O mundo digital tem feito um trabalho extraordinário oferecendo quantidades infindáveis de entretenimento e distrações para quem não suporta esses momentos de tédio. E claro, a pornografia está incluída neste bolo. Muitas pessoas descrevem o seu vício por pornografia como uma forma de descomprimirem depois de um dia de trabalho ou estudo. No entanto, a pornografia não as irá ajudar, deixando-as apenas insatisfeitas e desligadas do mundo. No início poderá ser excitante e algo novo, mas um cérebro estimulado regularmente com imagens pornográficas vai cansar-se de ver sempre a mesma coisa. E a pessoa vai acabar por querer consumir mais e diferentes tipos de pornografia, como já descrevemos atrás.
Acima de tudo devemos tomar consciência de que não estamos sós, fugindo dos sentimentos de vergonha. Devemos procurar ajuda constantemente, não deixar que os obstáculos da negação, da vergonha, do medo, do desespero ou do orgulho impeçam a confiança na possibilidade de vencer o vício.
Libertar-se da dependência da pornografia e da masturbação é uma escolha diária, para a qual devemos procurar apoio contínuo, como aconselhamento, direção espiritual, grupos de casais, grupos de ajuda, conferências e retiros para homens e para mulheres.
Nas próximas linhas procuraremos elencar algumas das estratégias práticas que podem ajudar na libertação destas dependências que nos afastam de Deus. Se quiser saber mais, visite a nossa secção Recursos onde encontrará links e literatura que lhe poderão ser úteis.
i. Rezar e relacionar-me com Deus ou procurer amadurecer humanamente
Qualquer luta para vencer um hábito instalado só é possivel através da perseverança diária e, para os crentes, pelo facto de conhecermos o amor de Deus por nós. É por isso importante chegar a Ele através da oração, pedindo-lhe a graça da pureza e, em especial, ajuda para vencer esse hábito. Para todos é fundamental aprender a conhecer-se – fragilidades, vulnerabiidades, etc – usar a razão e não os instintos como motor dos comportamentos e desenvolver a capacidade de se autotranscender.
ii. Identificar as causas
Numa fase inicial será importante identificar os fatores que levam à masturbação ou ao consumo de pornografia. É importante identificar causas como stress, solidão, aborrecimento ou tristeza. Quando identificados, será necessário encontrar estratégias para os susbtituir por comportamentos que levem a sentimentos opostos. Por exemplo, se me sinto só, procuro actividades que me permitam o contacto com outros, vou tomar um café com um amigo, procuro estar com a família. Se estou mais nervoso, procuro fazer algo que me relaxe e e me dê prazer: para uns poderá ser praticar um desporto, para outros cantar ou tocar um instrumento e para outros ler um livro.
Ser capaz de identificar estes fatores e ser proativo nas escolhas que os combatem é essencial para que o vício não tome conta da pessoa.
iii. Libertar-me do que me faz mal
Quantas vezes os nossos desejos são provocados pelas mais pequenas coisas, tais como uma imagem num anúncio ou a cena de um filme. Se muitas vezes não está ao nosso alcance fugir de acontecimentos que nos induzem em comportamentos que queremos evitar, há ações que podemos tomar para que essas provocações sejam menores e menos constantes.
É muito importante deitarmos fora pornografia que tenhamos guardada, bem como material sugestivo e aparentemente inócuo, como posters de pessoas em fato de banho ou certos tipos de música.
Se temos o hábito de passar muito tempo a ver televisão ou a navegar na internet sem qualquer propósito, podemos procurar reduzir esses momentos ao mínimo, substituindo-os por uma actividade desportiva ou outra que nos ajude a aliviar tensões e a mudar o foco do nosso pensamento.
iv. Fortalecer a autodisciplina
A disciplina constrói-se devagar, com pequenos passos, pelo que os nossos objetivos devem ser realistas. Tomamos o compromisso de não ver pornografia ou de nos masturbarmos durante três dias, ou uma semana, ou um mês – o que for razoável para nós e sabemos que podemos conseguir. Ultrapassada essa meta, a nossa confiança vai sair fortalecida e vamos ter a sensação de que controlamos o nosso corpo. Nesse momento podemos aumentar o tempo de abstinência. E se o formos fazendo desta forma, com metas que sabemos que podemos atingir, ultrapassaremos os hábitos anteriores.
Durante este período em que estamos a fortalecer a nossa disciplina, ajuda muito tomar pequenas decisões que, embora nos custem, vão dar-nos essa consciência de domínio sobre o nosso corpo como, por exemplo, não comer doces ou acordar mais cedo.
v. Honestidade, Autoconhecimento e Compromisso
A recuperação começa com a honestidade para consigo mesmo, com as outras pessoas e para com Deus relativamente ao habito ou vício: assumir toda a responsabilidade pelo comportamento e pela sua recuperação. Empenhar-se em fazer o que for necessário para a recuperação; conhecer as suas fraquezas, identificar os desencadeadores e as zonas perigosas, bem como o que o pode levar a usar pornografia, e desenvolver estratégias para evitar cair.
vi. Apoio e Responsabilidade
Qualquer pessoa que tenha sido bem sucedida na recuperação admite que não poderia tê-lo alcançado sozinho. Cura e recuperação sempre ocorrem dentro da comunidade. Assim, é preciso rodear-se de pessoas que entendam as suas lutas e que o possam apoiar e manter responsável pelo seu programa: grupos de apoio ou, pelo menos, uma pessoa a quem prestar contas diariamente ou a quem enviar uma mensagem sempre que sentir uma propensão a recair no mesmo comportamento.
vii. Psicoterapia
Pode ser muito util ter apoio de um psicoterapeuta que ajude a identificar os factores desencadeadores, a lidar com feridas emocionais do passado e a aplicar técnicas de intervenção no presente para lidar com as situações de risco. A título de exemplo, ajudam muito as técnicas de mindfulness católico. Não a meditação transcendental, mas o exercitar da atenção no presente, no “aqui e agora”, para controlar os caminhos da imaginação, os ataques de ansiedade e os pensamentos obsessivos. A terapia também é necessária para os cônjuges curarem as feridas de traição profunda que sofreram e para que os casais curem as feridas causadas pela pornografia e pela masturbação nos seus casamentos.
viii. Plano Espiritual
Qualquer pessoa que tenha sido bem sucedida na recuperação dirá sempre que não poderia tê-lo feito sem a ajuda de alguém. E, se for crente, sem a ajuda de Deus. Os programas de recuperação baseados na fé são, em geral, mais eficazes do que os programas seculares. Estes programas incluem oração diária, sacramentos, direção espiritual, leitura da Bíblia ou outra leitura espiritual e retiros. A pessoa que tem fé precisa da ajuda de Deus! Precisa do Seu amor, força e cura. É importante saber-se incondicionalmente amado por Deus. Não há nada que possa fazer que vá retirar o amor que Deus lhe tem. Ele continua sempre a querer a sua recuperação e estará lá para a ajudar.
ix. Educação
Para recuperar da dependência da pornografia e da masturbação, precisa de preencher o seu coração e sua mente com a verdade sobre este comportamento e a sua recuperação. Quanto mais o fizer, mais difícil será cair. Parte da sua educação inclui esta aprendizagem. É tão importante compartilhar a verdade quanto aprendê-la. Por isso, muitos homens continuam a ensinar outros sobre os perigos da pornografia, o que reforça a sua recuperação.
x. Virtude
Se quer lutar contra um vício, utilize uma virtude. Inicialmente, a recuperação resume-se a fugir de algo – por exemplo, a droga. Com o tempo, a recuperação torna-se o seu objetivo – uma vida nova e saudável. É mais fácil chegar a esse ponto quando se trabalha diariamente no aperfeiçoamento das virtudes. Isso ajudará o homem a tornar-se naquilo que é chamado a ser – um líder forte, provedor e protetor – a tomar esse objetivo como uma missão e a entusiasmar-se com a recuperação e a sua nova vida.
O que se segue é uma tradução não oficial e amadora para português do último capítulo do livro “The Porn Myth” de Matt Fradd chamado “I will always be addicted to porn” em que o autor dá formas e estratégias concretas para uma forma de luta contra o consumo de pornografia saudável e com potencial de vitória.
Não há muito tempo a Vanity Fair lançou uma história, que fez capa, em que a atriz Jennifer Lawrence fala sobre as fotos nudes que enviou ao seu namorado – que foram depois apanhadas e vieram a público. Na sua entrevista ela defendeu as fotografias originais dizendo: “Eu estava numa relação amorosa, saudável e muito boa durante quatro anos. Era uma relação à distância e, ou o teu namorado vai ver pornografia ou vê-te a ti”.
Esta é uma frase muito triste de uma mulher que claramente cedeu à imagem – uma imagem sexista – de que os homens só pensam numa coisa e são incapazes de se controlarem. Por causa das hormonas em ebulição e a omnipresença de pornografia, a sua frase implica que os homens vão inevitavelmente consumir pornografia e, para competirem com isto, as mulheres também se têm de tornar pornografia. Esta é a mentira em que tantos homens e mulheres acreditam.
Quanto mais aprendemos sobre a grande disseminação da pornografia na nossa cultura e o impacto que ela pode ter na nossa mente, cada vez mais somos tentados a pensar que nada podemos fazer em relação a isto.
No entanto, muita gente tem vindo a descobrir a maravilhosa verdade de que a vida sem pornografia não só é possível como é muito mais interessante. Aqueles que estão embrenhados em pornografia tendem a viver vidas mais pequenas, constantemente à procura da sua próxima fixação. Aqueles que começam a encontrar a liberdade começam a viver uma vida muito maior e uma existência muito mais bela.
Estudos mostram que o cérebro consegue curar-se a si mesmo, mesmo depois de um acumular de anos de consumo de pornografia. Tal como comunicado em alguns capítulos anteriores deste livro, a pornografia pode e consegue aldrabar alguns circuitos neuronais do cérebro, mas com tempo e esforço, este tem a capacidade de se curar por si mesmo. Para alguns este pode ser um caminho muito longo. Os terapeutas Wendy e Larry Maltz no seu livro The Porn Trap, escrevem:
“O potencial da pornografia para produzir experiências de excitamento, relaxamento e de fuga da dor fazem-na altamente viciante. Ao longo do tempo pode-se ficar dependente dela para se sentir bem e ser imprescindível para não se sentir mal. Ansiedade, preocupações e comportamentos fora do controlo são um lugar comum do seu uso. O sexo pornográfico pode-se tornar na tua maior necessidade. Se tens usado pornografia de forma frequente então o afastar pode vir com muita agitação, depressão e insónias, tal como o desintoxicar de álcool, cocaína e outras drogas pesadas. De facto, pessoas em recuperação de pornografia demoram dezoito meses só para ficarem curadas dos estragos feitos aos seus recetores de dopamina.”
Sendo prático, embora te possa parecer que a pornografia é simplesmente algo impossível de ser combatido e ganho, essa não é a realidade. Se queres ser livre, tens de lutar decididamente, implementando táticas e dando o espaço que o teu cérebro precisa para se curar. Não ficaste viciado em pornografia da noite para o dia, o desejo por mais também não vai desaparecer de um dia para o outro.
Percebe aquilo contra o que estás a lutar (e aquilo contra o que não estás)
Há alguns anos atrás, quando a minha mulher estava grávida do nosso terceiro filho, encontrei um livro chamado “What to expect when you’re expecting” [algo como “O que esperar quando estás à espera”] na mesa da sala. Achei que seria divertido procurar a secção em que falava de todos aqueles desejos estranhos que as grávidas têm – sabem como é, pickles misturados com gelado e esse tipo de coisas. Mas também lá estavam listados desejos que eu não imaginava, tal como vontade de comer argila, pedras, cinzas, cabelo e pó da máquina da roupa. Esta condição chama-se pica e alguns dizem que vem de uma falha nutricional, particularmente de ferro.
Suponham que chegava um dia a casa vindo do trabalho e encontrava a minha mulher a comer um bocado de carvão – é um exercício de pensamento bastante estranho, eu sei, mas continuem comigo. Eu podia reagir horrorizado, envergonhando-a pela sua escolha gastronômica. “Tu és repugnante! Que nojo! Em que é que estavas a pensar?” Ou então podia fazer o exato oposto. “É melhor eu não dizer nada. Se ela quer andar a comer carvão na privacidade da sua própria casa, quem sou eu para a impedir?” Aparentemente delicada, mas esta é uma resposta muito mal informada. Dependendo do que alguém está a consumir, pica pode ser causa de problemas médicos muito graves.
A coisa mais amorosa a dizer pode ter de ser “Querida, pousa o carvão. Boa… é isso mesmo… com toda a calma. Agora vamos até à cozinha. Há ali um bife muito suculento que acho que vais gostar.”
O que é que qualquer uma destas coisas tem a ver com pornografia?
Bem, tal como a pica é uma distorção do nosso desejo por comida, o uso de pornografia é uma distorção do nosso desejo por sexo. Condenar a pica como uma condição que não é saudável não significa que eu odeie comida. Tal como ao condenar a pornografia por não ser uma sexualidade saudável, não significa que eu odeie a sexualidade humana. O desejo de comer é um sinal de saúde. O desejo de comer coisas que atentam contra a saúde tal como madeira, terra ou vidro não o é. O desejo sexual é um sinal de saúde. O desejo de usar pornografia não o é.
Uma das razões que leva muita gente a achar difícil não usar pornografia e ser livre é porque elas confundem o desejo sexual com a ânsia por pornografia. Qualquer que seja o protocolo que pões em prática para te distanciares do uso da pornografia, lembra-te: o objetivo não é esmagar o desejo sexual a longo prazo. O objetivo é curar as tuas ânsias sexuais de forma que as sigas de uma forma que te leva a uma vida conjugal saudável e que te satisfaça.
Dar meia volta na autoestrada da pornografia
No muito bom livro Treating Pornography Adiction, o Dr. Kevin Skinner explica aquilo a que chama “sequência de ativação”. Com isto ele designa a sequência de eventos que levam alguém a ver pornografia. Ele apresenta 6 passos nesta sequência – sendo o sétimo estar a ver pornografia. Podemos ver esta sequência como uma autoestrada: saber quais são estes seis marcadores de quilometragem ao longo desta autoestrada até à pornografia pode não só ajudar-nos a reconhecê-los quando eles estão a acontecer, mas também nos podem ajudar a dar meia volta para evitar este hábito.
- Estímulo ou incentivo
Um estímulo ou incentivo é algo que causa que uma outra coisa aconteça. Quando falamos sobre estímulos em relação a pornografia, falamos daquelas coisas que dão início à sequência de ativação. Perceber estes nossos estímulos ajuda-nos a lutar contra a tentação e pode até ajudar-nos a desfazer a tentação de ver pornografia de uma só vez.
Há estímulos muito óbvios, e outros menos óbvios. Estímulos óbvios são o receber um catálogo da Victoria Secret no nosso mail, ouvir música com letras sexualmente explicitas, ver anúncios pop-up enquanto se navega pela internet. Estímulos menos óbvios incluem coisas como sentir-se frustrado ou numa situação opressiva, ouvir alguém a fazer um comentário mais duro sobre nós, ou ser rejeitado por alguém.
No seu livro, Dr. Skinner fala de um cliente que, quando era miúdo, ouvia os ruídos do seu pai a bater na mãe. Para garantir que ele não se juntava à confusão a mãe dava-lhe as revistas da Playboy do pai. Ela deixava-as no quarto dele e dizia: “Fica aqui e não saias”. Esta foi a forma que este jovem rapaz aprendeu para lidar com situações de maior tensão. Será assim tão surpreendente que, agora, com 30 anos, quando fica mais stressado devido a alguma situação, o seu corpo e cérebro saibam exatamente onde ir para se sentirem melhores?
Qualquer um que queira dar meia volta quando exposto a algum estímulo, em primeiro lugar tem de saber quais são estes estímulos. Que imagens, sons ou eventos tendem a ligar o motor? Quando alguém consegue identificar os seus estímulos, isto permite-lhes estar mais atento.
Neste passo da sequência de ativação – aliás, em todos os passos – se alguém quer dar meia volta nesta autoestrada deve ligar o seu “cérebro pensante”, parte esta que se chama córtex pré-frontal (sobre o qual escrevi em capítulos anteriores). Esta é a parte do cérebro que delibera, que escolhe entre opções sensatas e não sensatas. Pode-se ativar o córtex pré-frontal de várias formas, mas a mais fácil é falar alto e dar nome ao que se está a passar: “Isto é um estímulo”. Ao fazer isto, uma pessoa deixa de ser um participante passivo, deixa de permitir que os seus hábitos se mantenham no lugar do condutor, e prepara-se para conseguir escapar.
- Resposta emocional
Depois do estímulo inicial vem uma reação emocional a esse mesmo estímulo. Pode ser um sentimento de excitação, de curiosidade, ou de antecipação. Esta emoção pode ser algo muito forte – um sentimento ou sensação repentina – ou pode ser algo que se vai formando lentamente ao longo do tempo.
3.O primeiro pensamento
Isto aparece quase simultâneo com a emoção. Pode ser “Quero ver pornografia já” ou “Ninguém tem de saber” ou “O que será que aparece se pesquisar por ______?”
Quando a emoção inicial e o primeiro pensamento chegam à mente e se quer dar a dita meia volta, então, mais uma vez, o “cérebro pensante” tem de ser ativado. Deve-se dizer alto a verdade sobre este assunto: “Sinto-me frustrado e o meu hábito agora é correr para ver pornografia porque me faz sentir reconfortado” ou qualquer outro cenário.
- A libertação química
Se se continua a avançar por esta autoestrada fora, o corpo começa-se a preparar para ver pornografia porque é isto que está treinado a fazer. O corpo vai-se preparar para o clímax e vai libertar os químicos associados com a memória, e diz a si mesmo, “Lembras-te como resolvemos isto nas últimas cem vezes? É lá que temos de voltar”. Ainda antes de existir consumo de pornografia o corpo já está a antecipar o evento.
- Linguagem corporal
A partir do momento que estes químicos são libertados o corpo começa a mudar. O ritmo cardíaco aumenta, as palmas das mãos começam a ficar suadas ou frias, os olhos dilatam, sente-se um formigueiro na zona das virilhas ou borboletas no estomago e os músculos ficam tensos.
Se já chegámos a este ponto da autoestrada da pornografia, então estas sensações físicas devem-nos servir de grande sinal de alerta. O sentimento de “tenho de fazer isto” deve servir de alerta para dar meia volta nesta autoestrada. Mais uma vez, deves ativar o “cérebro pensante: dizer alto a verdade sobre o que se está a passar. “O meu corpo está-se a preparar para ver pornografia devido à libertação química. Tenho de tomar a decisão imediata de fazer algo de diferente.”
- A batalha
Neste ponto, a decisão de ver ou não pornografia ainda precisa de ser feita, e vai-se seguir uma batalha. O Dr. Skinner chama a isto o “pensar melhor”. Argumentos pró e contra vão começar a correr pela cabeça, como um jogo de ping-pong, mas à velocidade da luz. Esta é a maneira do cérebro de tentar por travões e decidir o que realmente quer fazer.
A mente pode pensar “Ninguém tem de saber disto”, “Esta vai ser a última vez, depois nunca mais”, “sou livre de fazer o que quiser”, “eventualmente vou falhar, por isso mais vale habituar-me a lidar com isso”. É possível que também existam sentimentos contrários como “E se a minha namorada descobre?”, “a minha família iria ficar tão desapontada”, “há coisas melhores para se fazer”, ou “detesto o poder que isto tem sobre mim”.
Os pensamentos que ganharem esta batalha vão determinar o comportamento que se segue.
- O comportamento
Assumindo que nada interrompeu esta sequência de ativação, o comportamento é consumir pornografia.
Duas estratégias principais
Quando se trata de dar meia volta nesta autoestrada até à pornografia há duas principais estratégias a implementar. A primeira é para quando já estás a percorrer a autoestrada e a segunda é para mudar hábitos para evitar sequer entrar nesta autoestrada.
Primeira estratégia: O cérebro pensante.
Já mencionei a importância de ativar o cérebro pensante: falar para consigo mesmo verdades importantes, independentemente do ponto na sequência de ativação em que estás. Uma das razões pelas quais esta estratégia é tão eficiente é porque usas pistas verbais para acordar para a realidade e perceber o que estás a fazer. Mas esta estratégia é muito mais eficiente se fizeres os teus trabalhos de casa e te preparares para estes momentos, em vez de pensares que sabes como reagir sozinho quando estes momentos chegam.
Tendo já falado com muitas pessoas que conseguiram afastar-se do sufoco que é o consumo de pornografia, ofereço aqui aquelas que são as melhores experiências que já ouvi, todas elas testadas pela experiencia:
Estuda e informa-te. Aprende o mais possível sobre o impacto que o consumo de pornografia tem na tua vida: todas as coisas que a pornografia te está a roubar na vida, as consequências negativas que tem no teu cérebro, corpo e relações – mesmo aquelas relações mais queridas. Quanto mais encheres a tua mente com este tipo de informação, mas fácil é que esta informação te chegue à cabeça no momento em que precisas de dar a meia volta na sequência de ativação.
Escreve as tuas motivações positivas e negativas. O que é que perdes por causa de procurares constantemente por pornografia? Que custos tem isso na tua vida? O que mais te poderá vir a custar? O que está a custar à sociedade? Estas são motivações negativas. O que podes ganhar ao ficares livre de pornografia? Como pode a tua vida melhorar? Que tipo de homem ou mulher esperas poder vir a ser? Estas são motivações positivas. Tem uma lista com as dez motivações mais importantes para ti – na carteira ou no bolso – e tira-a quando achares que estás a entrar na sequência de ativação.
Escreve as tuas estratégias de saída. Uma coisa é manteres os teus pensamentos aprisionados. Outra é saber o que fazer a seguir. Antes ainda que entrares na próxima sequência de ativação, escreve o que planeias fazer. Pensa em verbos de ação. Levanta-te. Anda. Corre. Ligar a alguém. Escrever uma carta. Ir lá para fora. Escreve o teu plano para um previsível momento de tentação.
Termina a fantasia. Isto parece contraintuitivo, mas é muito pratico. Quando algo espoleta um pensamento inicial, a nossa mente fica presa a uma rotina de antecipação. Os pensamentos ficam focados no que vem a seguir ou no que poderíamos estar a fazer. Em vez de se seguir essa rotina, termina a fantasia: imagina-te a continuar com essa ação até ao final – ir até ao computador, ver algumas horas de pornografia, seguir com masturbação e depois, como resultado, sentires-te um miserável falhado. Quando fazemos isto, conseguimos passar do sentimento de antecipação e da excitação do momento para a realidade. Depois poderemos estar num melhor estado de consciência para pensar “Não é este o tipo de pessoas que eu quero ser”.
Pensa sobre sexo. O autor australiano Frank Sheed escreveu que o homem moderno raramente pensa em sexo. Ele pode sonhar com sexo, pode fazer piadas sobre sexo, pode escrever canções sobre sexo – mas nunca pensa sobre sexo. Qual a natureza do sexo? Qual a sua finalidade? É simplesmente para descarregar ou a nossa biologia revela algo mais profundo? Quando olhamos para a forma como o nosso cérebro está criado e a forma como os nossos órgãos sexuais estão desenhados, descobrimos que o sexo é sobre abertura à vida e ligação amorosa a outra pessoa. É uma imagem muito mais espetacular do que é o sexo do que aquela dada pela Playboy. Este é o tipo de pensamentos que podemos usar quando a sequência de ativação dá os seus primeiros passos. Podemos pensar “Isto não é aquilo para que serve a minha sexualidade, simples prazer individual e objetificador. A minha sexualidade é para criação de vida e amor.”
Segunda estratégia: Muda os teus hábitos.
Idealmente a melhor forma de evitar a autoestrada da sequência de ativação é nunca entrar nela à partida. Isto significa evitar o máximo de estímulos e incentivos possível.
No entanto, é bom clarificar que ninguém consegue evitar todos os potenciais estímulos. Algo que te pode estimular a ver pornografia é a frustração, e é muito provável que venhas a entrar em situações de frustração. Se ver um anúncio sexualmente explicito na televisão te é um estímulo então, a não ser que estejas a pensar vir a viver numa caverna algures, o mais natural será que de vez em quando te esbarres contra alguma coisa nos media hipersexualizados.
Ainda assim, há muitos estímulos que podem ser evitados. Algo que te estimula a ver pornografia é estar sozinho no quarto com o teu telemóvel e a porta fechada? Muda alguma coisa neste hábito. Decide não fechar a porta, ou nunca levar o telemóvel ou portátil para dentro do quarto, ou instala um software de accountability tal como Covennant Eyes e tem um amigo a receber emails regulares com a tua atividade online. Por outra palavras, livra-te da opção de anonimato e secretismo.
Um dos teus estímulos é um certo tipo de música? Deixa de a ouvir. Um dos teus estímulos é um canal de televisão específico? Acaba com a subscrição de televisão que tens. Tens pornografia guardada em algum lugar de tua casa? Deita fora. Tens acesso ilimitado a internet através do teu telefone? Instala algum tipo de filtro ou software de accountability no telemóvel. Passas por algum tipo de loja para “adultos” no teu caminho para casa? Muda de percurso.
Tudo isto pode parecer um bocado exagero, mas se a pornografia fosse uma coisa fácil de ser evitada não estarias a ler este capítulo do livro. Muita gente tenta deixar de ver pornografia sem fechar todas as portas de acesso possíveis. Citando Dr. Phill: “Como é que isso está a correr contigo?”
Lembra-te deste mantra: “Quando estás no teu melhor, faz planos para o teu pior”. Neste momento, se tens a decisão de deixar de ver pornografia, lembra-te: um dia vais deixar de estar assim decidido, por isso, garante que te proteges a tempo.
Se percebes a sequência de ativação, tenta evitar os estímulos e ativa o teu cérebro pensante quando eles aparecerem, podes ser bem-sucedido.
Por fim, quando estás a pensar em deixar de ver pornografia é importante que tenhas objetivos pequenos e mensuráveis. Não faças promessas como “Nunca mais vou ver pornografia”. A liberdade alcança-se um dia de cada vez. Se vês o desligar completo de pornografia como uma meta, é muito natural que acabes desapontado muitas vezes. Isto porque a liberdade não é tanto uma meta que se atinge, mas uma decisão que tem de ser feita todos os dias. O teu objetivo de hoje não é “nunca mais vou ver pornografia”. Mas sim “Hoje estou decidido a ser a pessoa que quero ser, e uma das coisas que isto implica é: hoje não vou ser absorvido por pornografia.” A liberdade é uma vida inteira de hojes, uma vida inteira de decisões tomadas momento após momento. Não te preocupes com o amanhã. O amanhã terá os seus problemas por si mesmo.
A liberdade é possivel
A romancista francesa Virginie Despentes alegadamente disse que pornografia não leva necessariamente a mais sexo; leva a mais pornografia. Tal como comer MacDonald todos os dias te faz ficar habituado a comida que (embora muito agradável), na sua essência, não é comida, a pornografia condiciona o consumidor a ficar satisfeito com a impressão de sexo extremo em vez do real.
A pornografia promete liberdade, mas escraviza-nos. Promete excitação, mas traz-nos aborrecimento. Promete-nos entretenimento “adulto”, no entanto faz-nos cada vez mais infantis. Promete intimidade, mas leva à solidão.
A boa noticia é que a liberdade é possível e algo muito melhor espera por nós do outro lado.