Como conjugo esta atração com a minha Fé?

A Bíblia não condena atração pelo mesmo sexo nem as pessoas que sentem essa atração, mas antes os atos sexuais entre pessoas do mesmo sexo, que são qualificados de abominação, à semelhança de outros costumes abomináveis, como o incesto, o adultério e a bestialidade (por exemplo, Levítico 18, no Antigo Testamento). No Novo Testamento, São Paulo afirma que os atos sexuais entre pessoas do mesmo sexo são contra a natureza (Carta aos Romanos 1) e a doutrina (Primeira Carta a Timóteo, 1), defendendo que quem os pratica não herdará o reino de Deus, tal como quem pratica o adultério, a pedofilia e outros atos sexuais imorais (Primeira Carta aos Coríntios, 6).

Daqui podemos concluir que, em primeiro lugar, os atos sexuais entre pessoas do mesmo sexo não são aceitáveis sob qualquer forma, ainda que haja opiniões divergentes a este respeito; em segundo lugar, não são os únicos atos condenáveis, nomeadamente de ordem sexual; e, em terceiro lugar, não são atos inevitáveis: “Não vos iludais: nem os devassos, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os pedófilos, nem os ladrões, nem os avarentos, nem os beberrões, nem os caluniadores, nem os salteadores herdarão o Reino de Deus. E alguns de vós eram assim. Mas vós cuidastes de vos purificar; fostes santificados, fostes justificados em nome do Senhor Jesus Cristo e pelo Espírito do nosso Deus” (Primeira Carta aos Coríntios, 6).

O Catecismo da Igreja Católica (parágrafos 2357, 2358 e 2359) identifica três níveis distintos no que diz respeito à atração pelo mesmo sexo: o ato, a inclinação e a pessoa. E esta distinção é fundamental para que a questão possa ser respondida e compreendida por quem sente essa atração.

Primeiro, o ato. A Igreja defende que o ato em si é desordenado porque se afasta do desígnio e do objetivo da sexualidade humana- a união e a procriação – na medida em que não se encontra aberto ao dom da vida nem procede de uma verdadeira complementaridade afetiva sexual, necessária para alcançar a união de duas pessoas numa só carne. Nesse sentido, o ato sexual entre pessoas do mesmo sexo não pode merecer aprovação em caso algum. Porém, a Igreja não afirma que as pessoas são desordenadas, mas apenas o ato em si, pois a pessoa não pode ser reduzida à sua atividade sexual.

Em segundo, a inclinação. A inclinação, que não é mais do que a atração por pessoas do mesmo sexo, também é desordenada pois pode conduzir a um ato contrário aos objetivos últimos da sexualidade. A inclinação por si só não é considerada um pecado, ao contrário do ato. Quando uma pessoa sente atração por outra pessoa do mesmo sexo não está a pecar desde que não procure concretizar essa mesma atração. Assim, o que sente não é condenável, embora seja um sentimento desordenado, pois pode conduzir a atos que desviam da castidade a que todo o batizado é chamado, independentemente da sua orientação.

Finalmente, e mais importante, a pessoa. A Igreja distingue sempre a pessoa das suas inclinações e dos seus atos. Por isso, quando se refere a pessoas com atração pelo mesmo sexo, utiliza a palavra “homossexual” como um adjetivo e não como um substantivo, de modo a não reduzir a pessoa à sua orientação ou comportamento sexual. Qualquer pessoa deve ser sempre respeitada pois é um filho de Deus, amado por Deus e redimido pelo sangue de Cristo. As pessoas com atração pelo mesmo sexo não são, por isso, exceção.

Entende-se geralmente por homofobia a repulsa ou discriminação das pessoas que sentem atração pelo mesmo sexo e/ou praticam atos sexuais com pessoas do mesmo sexo. Nesse sentido, não se pode afirmar que a Igreja seja homofóbica, desde logo porque afirma no Catecismo que as pessoas com atração pelo mesmo sexo devem ser acolhidas com respeito, compaixão e delicadeza.

Além disso, o Catecismo da Igreja Católica estipula ainda que deverá ser evitado qualquer sinal de discriminação injusta relativamente a estas pessoas. Ora a Igreja defende precisamente que todos os batizados, sem exceção, são chamados a viver a castidade de acordo com o seu estado de vida, adequando a sua sexualidade ao desígnio último desta. Por conseguinte, a Igreja não condena apenas os atos sexuais entre pessoas do mesmo sexo, mas todos os demais atos sexuais intrinsecamente desordenados, que considera como ofensas à castidade, tais como a masturbação, a fornicação (relações sexuais fora do casamento), a pornografia, a prostituição e a violação.

Em todo o caso, a Igreja apenas condena o ato e não a pessoa, na medida em que compreende e aceita que houve em todos os tempos e há em todas as culturas pessoas com atração pelo mesmo sexo e que essa atração é involuntária. E, ao distinguir entre orientação e comportamento, também afirma que a responsabilidade da pessoa é apenas em relação ao que faz com essa atração. Não há, pois, contradição entre o amor incondicional de Deus que a Igreja anuncia relativamente a todas as pessoas e a sua orientação moral clara quanto ao plano de Deus para a sexualidade humana.

A Igreja não propõe diferentes modelos no que diz respeito à moral sexual, ou seja, não há um modelo para a relação sexual entre pessoas de sexos opostos e outro para a relação sexual entre pessoas do mesmo sexo, mas sim um único modelo, que encerra a verdade sobre a forma como deve ser vivida a sexualidade humana, a qual está inscrita na nossa natureza: um modelo segundo o qual esta mesma sexualidade tem como significado e objetivo a união e a procriação, que apenas podem ser vividos entre um homem e uma mulher na relação de amor livre, total, fiel e fecundo que é o casamento.

Segundo o Catecismo da Igreja Católica (parágrafo 2363), “pela união dos esposos realiza-se o duplo fim do Matrimónio: o bem dos próprios esposos e a transmissão da vida”. Por conseguinte, uma relação sexual entre pessoas do mesmo sexo, ainda que seja caracterizada pela fidelidade e pela entrega recíproca, não responde aos objetivos unitivo e procriativo do casamento: por um lado, não reflete a complementaridade, decorrente das diferenças entre homem e mulher, necessária à “união numa só carne” que caracteriza o casamento; por outro lado, não contém o potencial de gerar por si vida nova, possibilidade a que tende a verdadeira “união numa só carne”. No mesmo parágrafo, o Catecismo recorda que “o amor conjugal do homem e da mulher está, assim, colocado sob a dupla exigência da fidelidade e da fecundidade”. Quando esta verdade sobre a sexualidade humana é posta em causa através da aprovação e da normalização da contraceção, do divórcio, da pornografia, do adultério, entre outros, a questão das relações entre pessoas do mesmo sexo deixa de ser colocada como imoral. Porque hão de estas relações ser erradas quando tudo o resto, não é? A exigência de que as relações entre pessoas do mesmo sexo possam ser reconhecidas como casamentos muda o entendimento que temos do modelo que está na base da nossa civilização, que é o matrimónio e a família.

Aos poucos, este modelo deixa de fazer sentido para dar lugar a uma sociedade na qual o ser humano se centra em si mesmo, considerando que tudo é possível no que diz respeito à sexualidade e esquecendo-se o papel que essa sexualidade desempenha no plano de Deus.

Há quem defenda que a igreja deveria ser mais tolerante para com quem escolhe viver na prática a sua atração pelo mesmo sexo. Contudo, quem ama verdadeiramente não tolera apenas, mas acolhe, ao mesmo tempo que aponta o erro e o verdadeiro caminho da felicidade. A Igreja convida-nos a amar na verdade. A semente do amor que Deus colocou no nosso coração só pode dar fruto no caminho que a Igreja nos propõe viver e ganha a sua expressão mais bela na castidade, que é a vivência da sexualidade de acordo com o propósito desta e o estado de vida próprio de cada um.

Uma vez que que o prazer sexual é moralmente desordenado quando procurado por si mesmo, isolado das finalidades da procriação e da união (CIC 2351), as pessoas casadas – com ou sem atração pelo mesmo sexo – são chamadas a viver a castidade conjugal, ou seja abstendo-se de práticas contrárias à mesma (por exemplo, adultério, pornografia, prostituição) enquanto as pessoas que não sejam casadas – quer sintam ou não uma atração pelo mesmo sexo – são instadas a praticar a castidade na continência (CIC 2349). Numa sociedade hipersexualizada este caminho de castidade parece ser absurdo e inatingível, mas a Igreja encoraja-nos e aponta ferramentas que nos ajudam a fazer o caminho: o autodomínio, o apoio de uma amizade desinteressada, a oração e os sacramentos (CIC 2359).

A Igreja dispõe também de um apostolado denominado Courage, presente em vários países e acessível pela Internet, que oferece apoio pastoral a homens e mulheres com atração pelo mesmo sexo que tenham escolhido viver uma vida casta. O apostolado propõe aos seus membros as seguintes cinco metas:

  • viver uma vida casta de acordo com o ensinamento da Igreja acerca da atração pelo mesmo sexo (castidade);
  • dedicar a própria vida a Cristo por meio do serviço ao próximo, da leitura espiritual, da oração, da meditação, da direção espiritual particular, da participação frequente da Missa e dos sacramentos da Reconciliação e da Eucaristia (oração e dedicação);
  • cultivar um espírito de fraternidade no qual todos possam partilhar os seus pensamentos e experiências e, assim, assegurar que ninguém venha a enfrentar sozinho os problemas da atração pelo mesmo sexo (fraternidade);
  • ter em mente as seguintes verdades: que as amizades castas são não apenas possíveis como também necessárias na vivência da castidade cristã e que, ao serem cultivadas, oferecem um mútuo encorajamento (amizades castas);
  • viver a própria vida de tal modo que sirva de bom exemplo para os outros (vida exemplar).

A ideia de que as pessoas com atração pelo mesmo sexo são chamadas a viver a castidade – o que, no seu caso, corresponde ao celibato –pode soar a uma norma antiquada, um desafio inatingível ou mesmo uma punição imerecida, uma vez que se tende a associar o celibato a uma renúncia ou imposição. No entanto, o celibato, ainda que não tenha sido fruto de uma escolha livre, pode ser objeto de uma decisão livre. Por outras palavras, ainda que o desejo íntimo de uma pessoa seja outro (por exemplo, casar), ela pode, discernindo sobre as circunstâncias da sua vida, optar pelo celibato e beneficiar das bênçãos que lhe estão associadas, nomeadamente a oportunidade de uma união mais profunda nesta vida com Cristo e, por Ele, com os outros.

Na verdade, e embora todos os seres humanos anseiem por relações de intimidade e entrega recíproca, o ato sexual não é o único meio de expressão dessas relações. Tal como a solidão não está ausente do casamento, a intimidade também pode ser encontrada fora do casamento, nomeadamente no relacionamento significativo com familiares e amigos. Por conseguinte, os solteiros não devem viver o celibato como se a ausência de gratificação sexual nos seus relacionamentos diminuísse a sua personalidade ou retirasse significado à sua existência.

Tal não implica, porém, que os solteiros neguem a própria sexualidade. Todos nascemos seres sexuados, devendo a nossa sexualidade, enquanto dom de Deus, ser valorizada e expressa de acordo com o nosso estado de vida. O celibatário enfrentará naturalmente tentações, decorrentes das suas necessidades sexuais, bem como sentimentos de frustração por não poder satisfazer os seus impulsos. No entanto, o seu principal desafio será porventura o da necessidade de intimidade, que é mais complexa do que a necessidade sexual que lhe está associada. Uma vez que a sexualidade está associada à expressão de emoções e à necessidade de intimidade, o facto de o celibatário evitar o ato sexual não o deve impedir de exprimir os seus afetos. É, por isso, importante cultivar as amizades desinteressadas de que fala o Catecismo ou as amizades castas a que se refere o apostolado Courage, que correspondem a relações não erotizadas com pessoas do mesmo sexo, que contribuam para uma identificação com os pares, bem como com pessoas do sexo oposto, que evidenciem a complementaridade entre homem e mulher.

Desde logo, convém encararmos o facto de que há muitos cristãos que se debatem, não raras vezes de forma discreta, mas dolorosa, com uma atração indesejada pelo mesmo sexo e que beneficiariam da possibilidade de falarem sobre a sua realidade com a certeza de serem ouvidos com confidencialidade e sem juízos de valor. Tal não significa que façamos dessa realidade o único tópico de acompanhamento destas pessoas, uma vez que estaríamos a reduzi-las a um aspeto da sua vivência, que até pode nem ser aquele que consideram o mais problemático. Tão-pouco significa que, acolhendo-as sem as julgarmos, deixemos de encorajá-las a descobrir e aprofundar a doutrina da Igreja sobre este assunto.

Quando uma pessoa com atração pelo mesmo sexo partilha connosco a existência dessa atração e a sua experiência da mesma, devemos, desde logo, agradecer a sua confiança, uma vez que, muito frequentemente, essa partilha se encontra associada a sentimentos de vergonha e medo. Devemos também ouvir com vagar e atenção as suas confidências, procurando compreender, sem sermos indiscretos, a especificidade da sua situação, uma vez que cada realidade é única. E, não menos importante, devemos manter a discrição que essa pessoa nos exigir e, se tivermos essa possibilidade, manifestar-lhe a nossa disponibilidade para a ouvirmos noutras ocasiões, bem como para rezar com ela e por ela.

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